O Poeta e o Poder
Feliz é aquele a quem as Musas amam. Pois, ainda que um homem carregue tristeza e dor em sua alma, quando o servo das Musas canta, imediatamente esquece seus pensamentos sombrios e já não se lembra de suas aflições. Tal é o sagrado presente das Musas aos homens." — Hesíodo
FILOSOFIAPOESIA
Eros Vitalis
10/2/20243 min read


Feliz é aquele a quem as Musas amam. Pois, ainda que um homem carregue tristeza e dor em sua alma, quando o servo das Musas canta, imediatamente esquece seus pensamentos sombrios e já não se lembra de suas aflições. Tal é o sagrado presente das Musas aos homens."
— Hesíodo
O poeta, no latim poēta, que por sua vez deriva do grego ποιητής (poiētḗs), significa "criador" ou "fazedor". Desde antes mesmo do surgimento das primeiras civilizações — e aqui destaco a civilização grega — ele vagava entre uma sociedade de agricultores e pastores, recitando e entoando cânticos de aspecto numinoso e teofânico. De seus lábios saíam transmissões transcendentais, revelando os aspectos sutis da realidade, através da inspiração das Musas. Era através deles que o homem comum rompia os restritos limites de suas possibilidades físicas de movimento e visão, transcendendo as fronteiras geográficas e temporais. Visualizava, por meio dos sons, e compreendia o supra-sensível pelos sentidos.
Mas qual era o conteúdo desses cânticos? Tragédias, heróis, deuses, semideuses e toda a brutalidade que permeia a natureza dos mortais e imortais, sem o rigor da moralidade, exalando a aretê — ἀρετή — virtude em seu sentido original: coragem, força, beleza e excelência. Esses cânticos geravam contato com figuras, fatos e mundos que, pelo poder do canto, tornavam-se audíveis, visíveis e presentes.
O poeta, como artista das palavras, encantava e captava seu ouvinte de forma integral. Podemos relacionar isso, no contexto atual, com a arte em um de seus desdobramentos mais famosos: o cinema. Um indivíduo inserido em uma era dissoluta, onde a técnica domina o homem, domesticado pelas amarras de uma sociedade tecnicista-materialista, ao simplesmente assistir a um filme — Clube da Luta, por exemplo — é, de certa forma, "iniciado", seduzido pelos sentidos através das imagens, da trilha sonora, da fotografia, da paleta de cores e da riqueza de mensagens ali inseridas. Em seu interior, captando a mensagem do filme, a fagulha da vontade de superação da condição moderna é acesa. Os elementos dessa arte agem como o canto das Musas. O cinema, assim, seria uma forma de poesia ou tragédia. Diga-se de passagem, tal indivíduo dificilmente teria essa visão apenas lendo pesados e incansáveis livros de "intelectuais", e se o fizesse, seria através de meios puramente racionais.
Eis a queda dos racionalistas: o amor e o sobrenatural vibram em sintonia. O silenciamento dos sentimentos e a regulamentação da arte e dos poetas expõem o desejo insaciável de controlar a natureza e as paixões que nos habitam. Essas forças revelam os lados mais inconscientes e ocultos da existência, mostrando-nos, de forma profunda e enigmática, o que é dito sem ser dito, sentido pelo olhar e apreciado com o coração. É o sabor dessa tragédia sublime chamada Vida.
Mas a Arte... ah, a Arte! Sem ela, a vida é reduzida a uma existência puramente funcional. Não transcende a frieza tecnicista da modernidade. Isso me recorda duas inesquecíveis frases pronunciadas por Robin Williams no filme Sociedade dos Poetas Mortos:
"Medicina, lei, negócios e engenharia são ocupações nobres para manter a vida. Mas poesia, beleza, romance e amor são razões para ficar vivo."
"Nós não lemos e escrevemos poesia porque é bonito, nós lemos e escrevemos poesia porque pertencemos à raça humana, e a raça humana está cheia de paixão."
No coração daqueles que têm sensibilidade para a Beleza da Vida, as Musas — através de seus lírios — inspiram e transmitem o que há de mais apolíneo e elevado aos homens que elas amam e protegem.
O poeta tem poder, e esse poder lhe é conferido pela memória (Mnemosine), através das palavras cantadas (Musas), fecundadas por Zeus, que encarna a Justiça e a Soberania Suprema. A memória gera e dá à luz as Palavras Cantadas. Consequentemente, as Musas nascem da memória e do mais alto exercício de poder.
Texto por Apolinísio do projeto Eros Vitalis, siga nas redes sociais